Educação Através de Histórias em Quadrinhos

Nova Democracia, ano I, nº 2

 
 

Projeto revolucionário na educação tenta estimular o hábito de estudar
FÍSICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Tentando encontrar uma forma de desenvolver a capacidade de raciocinio, criando um pensamento crítico e ao mesmo facilitando a aprendizagem, o Físico de Partículas, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e Professor da UERJ, Francisco Caruso, iniciou, a partir de novembro de 2001, um projeto revolucionário que explica os principais conceitos de todas as áreas do saber através de desenhos em quadrinhos.

De nome EDUQUE, a Oficina vem trabalhando com 40 alunos do ensino médio e fundamental, de escolas públicas, número que deve crescer, já que está aberto a novos interessados, inclusive de escolas particulares. A seleção, feita através de indicação das Escolas, leva em consideração dois pontos essenciais: alguma habilidade para desenho e interesse em participar. O trabalho é simples: após aprender um conceito de Física, Matemática, Biologia, Quimica, e outros, o aluno passa para o desenho em forma de tirinha, vide ilustrações, geralmente, de uma maneira bem humorada e crítica.

Como exemplo, Caruso pede uma tirinha sobre a necessidade de se usar cintode segurança. Para isso, explica o motivo através da lei da inércia. Depois do aluno entender o que vem a ser essa lei e se convencer de que essa é uma maneira de não ser lançado para fora do veículo em caso de choque, faz os desenhos, passando o conhecimento e junto a ele, a linha de raciocínio. "Ele não faz por fazer ou simplesmente decora algo. Acredito que esse tipo de trabalho deve se tornar parte integrante do ensino no Brasil, porque contribui para uma alfabetização científica e um tipo de raciocínio mais abstrato, físico e lógico", explica o professor.

Esse é um dos pontos mais importantes do projeto, ou seja, o participante não é apenas um desenhista, já que cria e transforma o conhecimento. "É a marca do projeto", afirma Caruso, acrescentando ainda que o conceito explicado por um jovem chega mais fácil a outro.

Atualmente, as tirinhas estão voltadas para o ensino médio, com interesses futuros no fundamental. Elas são feitas para que o aluno olhe e busque a resposta dentro do desenho. Por não serem óbvias, obriga a pensar e assim aprender, abandonando o costume de decorar.

A Oficina funciona em uma sala dentro da UERJ, e além da conversa informal com Caruso, os jóvens participam de palestras com Físicos, artistas plásticos e outros, sendo estas obrigatórias. O horário de trabalho é informal, ficando a critério do próprio aluno.

Uma atividade considerada de grande importância para o físico é a visita as exposições. "Temos uma preocupação com a atividade cultural, porque, além de passarmos conteúdo, queremos construir um cidadão diferente, alguém que valorize o bonito, a arte, e que se preocupe com o outro. Essas são, na verdade, ferramentas que os ajudam a mudar o modo de encarar os estudos. Muitos, inclusive, não tinham a perspectiva de entrar em uma faculdade e agora já planejam o vestibular", entusiasma-se. É um projeto interdisciplinar, com participação da UERJ, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Espaço Ciência da UFF, Museu de Astronomia e FIOCRUZ, e também das escolas Olga Bienário Prestes, Instituto de Educação, Colégio Erdir de Caxias e CIEP 169.

Além dos alunos a Oficina conta com a participação de 30 pesquisadores, entre eles, Professores e Pessoas que realizam monografias com temas, de algum modo, ligados ao projeto, e passam a contribuir.

Na tentativa de que cumpram o seu papel de ajudador na educação e criador de pensamento crítico, Caruso busca novos parceiros, principalmente professores do ensino fundamental e médio. A idéia do Físico é produzir um material didático diferente e revolucionário, para escolas públicas. Para fazer as tirinhas

O processo é longo: os alunos fazem os desenhos, em seguida eles são escaneados e as imagens são tratadas no computador. Depois, em alguns, são inseridos os balões com os textos. O processo seguinte é imprimir as tirinhas.

"No momento ainda estamos no total de nossas atividades, porque temos poucos computadores, parceiros e patrocínio. Até o momento fizemos 170 tirinhas e se cada aluno fizer uma tirinha por semana, até dezembro chegaremos a nossa meta", declara o professor.

O desejo de Caruso é produzir 1.200 tirinhas por ano, sendo uma experiência única no Brasil, já que nunca se produziu material didático nessa escala e dessa forma.

Para armazená-las, criou uma página na Internet, e no final do ano, com a participação dos alunos, escolherá as melhores dentro de cada tema. Essas serão distribuídas, dentro de caixinhas com doze cada, em escolas e centros educacionais envolvidos com a oficina. Editar tudo em um livro, por enquanto, é inviável para Caruso, por causa do custo, que chegaria a 300.000 reais.

Mudando a maneira de estudar

Os pesquisadores tem observado que a oficina vem mudando a maneira do aluno estudar, aumentando a motivação pelas matérias de uma forma geral e melhorando o desempenho escolar. Isso se explica, principalmente, pelo fato de adotarem uma nova postura em relação ao estudo, passando a ser considerado mais prazeroso.

"A Luisa Daol, minha primeira aluna da oficina, em determinada ocasião, cedeu uma entrevista para a Tv Futura e contou que estava tendo um melhor rendimento em Matemática. Isso me foi uma surpresa, já que faziamos tirinhas de Física. Depois entendi que havia mudado sua maneira de estudar não somente física mas todas as outras matérias", lembra Caruso.

Não existe limite de idade para participar da oficina. Basta dizer, que entre os alunos está um menino de nove anos, filho de uma professora, que conheceu o projeto e pediu para ficar. "Não temos idades mínimas e máximas ou tempo de permanência. A primeira aluna por exemplo, se encontra na faculdade de desenho industrial, e continua participando da oficina", conta Caruso.

Alguns professores de quarta série já começaram a trabalhar com seus alunos, através da criação livre, obtendo bons resultados. A maioria usa as tirinhas para expressar suas preocupações com a violência, meio ambiente e outros, indicando um possível aluno conscientizado e agente de transformação.

"Tivemos por exemplo, um aluno de História que espontaneamente desenhou o globo terrestre, onde aparecia a parte superior rica, saindo dólares por todos os lados e a inferior pobre, caracterizada pelas favelas e roupas em varais", relata a professora Maria Cristina Silveira, uma das pesquisadoras da oficina.

Trabalhando com alunos de escolas públicas, os professores notaram que esses possuem um grande potencial para a aprendizagem e que isso, não só é ignorado, como bloqueado e aniquilado, já que costumam ficar, por falta de professores, um ano sem física, outro sem química, outro sem matemática e assim por diante.

"Encontramos alunos de matemática que nunca ouviram falar em função, por exemplo, porque não tiveram essa aula, com o risco de crescerem com o raciocínio incompleto. Temos uma situação terrível, em que ótimos alunos ficam a espera da escola e nada recebem. Quando damos o mínimo para eles, crescem de uma maneira extraordinária", analisa Caruso.

Dentro do exemplo de potencial escondido, enquadram-se os jovens Silvana de Santana Cardoso, estudante do terceiro ano do curso normal e Lucas Gabriel de Souza Silveira Soares, que cursa o primeiro ano do segundo grau, ambos alunos da oficina. Com uma visão bem crítica sobre o meio ambiente, Silvana desenha a degradação do eco-sistema e a favelização. "A forma como o ser humano tem tratado o meio ambiente é algo que me incomoda muito e isso posso extravazar nos desenhos, como uma tentativa de conscientizar as pessoas", fala com firmeza.

Já Gabriel vê no projeto uma maneira de expor suas idéias de educação para todos. "Hoje em dia está muito difícil as pessoas terem acesso à informação, a não ser através do entretenimento, que muitas vezes, as afasta de um bom livro. Quero levar o conhecimento para elas", planeja o aluno, acrescentando ainda que, apesar de desenhar, pretende seguir carreira como advogado, usando as artes plásticas como um prazer.

Quando se fala de ciências naturais geralmente se lembra das expedições ao interior do país, da botânica, e da física. Faz parte do tempo em que se tinha outra visão da ciência, não desmembrada. É um termo que não se usa mais, algo histórico, embora a física seja uma ciência natural.

Física é na verdade, uma palavra grega que quer dizer natureza, então, em princípio se estuda os fenomenos naturais, só que esses foram desmembrados, formando áreas diferentes: fenômenos da vida, químicos e físicos. A própria física, não só foi desmembrada das ciências naturais, como está subdividida em si própria, com, praticamente, nenhum dialogo entre as partes.

"No passado, quem fazia ciência natural entendia um pouco de física, termodinâmica, botânica e outros. Essa mudança se deu a partir da revolução industrial, ou seja, transformou o conhecimento em uma espécie de fábrica, onde cada funcionário aperta o seu parafuso e não sabe fazer outra coisa. É uma espécie de super especialização e individualismo", diz Caruso.

O problema é que essa super especialização se apresenta como algo contrário às diretrizes educacionais existentes, já que se fala em multidisciplinalidade e isso só se constrói a partir de pessoas que dominam o conhecimento. "Essas pessoas têm que ser capazes de dominar o seu conhecimento e dialogar com outras áreas, algo difícil até entre os pesquisadores", adverte o professor.

Frases em destaque no texto:

"Na Criação livre, os alunos expressam sua indignação com o sistema."Caruso

"Sem um conhecimento geral das ciências, fica difícil se falar em
diálogo entre os cursos."
Caruso

"Vemos a desonestidade que fazem com esses garotos na educação, quando encontramos em alunos nos Cieps, um enorme potencial."Cristina Silveira

 

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